Ligação
Desconforto e glória ao pai. Seria fácil proceder ao desmantelamento da rede. Bastava um telefonema, GNR, sim senhor. Nunca me passou pelas mãos tal ideia. É deixá-los andar. Enquanto brincam com o fogo não hão-de deitar fogo a nada sério, consagrado. Pelo menos deixam a igreja e a junta em paz. Do resto, népia, não quero nem saber. Que queimem tudo, que acabem com tudo, que fodam tudo. As eiras, o palheiro, as casas, as velhas, as novas, a puta que os pariu. Não estou nem aí [pronunciar de forma abrasileirada e a cantar, repetir duas vezes]. Já estou velho e só me resta a dignidade de mijar e cagar sozinho. Às vezes, nem isso. Tem que me ajudar a Celeste, essa depravada que só quer brincar com o meu pirilau enrugado. Coitadito, nem com uma grua lá vai. Teve o seu tempo. Ou não, se teve foi há tanto tempo que eu já nem me lembro. Há-de ter tido: três filhos, alguém os fez. A verdade é que eles não são muito parecidos comigo. Feios como a mãe. E burros, burrinhos, asnáticos dos costados todos. Neste particular tenho que ser sincero, saíram, e bem, ao pai. Mas esse, se calhar, não sou eu. Eu só os criei. Disso não me livrei eu, rico pai que hás-de estar no céu. Já estou velho, eles que se fodam. Vou telefonar agora se tiver forças para me levantar da cama.
Etiquetas: devaneios
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