Passeio Público
(Má educação)
Não quero parecer derrotista ou, pior ainda, moralista, mas não consigo deixar de pensar que a “educação”, esse desígnio maior do país, tocou o céu da ingovernabilidade. Quando uma ministra (da educação; mas isso, para o caso, é indiferente) de uma sociedade que se conta, ditosa e satisfeita, como democrática e livre, é recebida por estudantes adolescentes com uma saraiva de ovos revelam-se, de forma contundente, todas as falhas educativas de um país. Pior: demora-se no ar a ideia de que a civilização está prestes a desistir de si mesma. Mas isto, suponho, é apenas o cisma de um notório pessimista.
A reforma do ensino é necessária – e premente. Eis um facto indisputável. A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, deixou-se seduzir por esse trabalho de Hércules mas falhou o desígnio reformista. É voluntariosa mas arrogante. É sensível aos dados estatísticos mas não aos anseios (legítimos, alguns) dos professores. Os problemas mais relevantes do sistema educativo não só se conservam como parecem agudizar-se a cada dia que passa.
A escola tornou-se numa instituição burocrática, desistindo da sua tarefa sacrossanta: a formação. O ensino público deteriora-se, ano após ano. É o que informa a louvada estatística. Mesmo na Secundária Infanta Dona Maria, em Coimbra, a escola pública com o melhor desempenho nos exames nacionais nos últimos dois anos, a percepção geral entre os alunos é a de que a qualidade do ensino está a decrescer.
Os alunos, a razão e o móbil do sistema, parecem esquecidos no meio do vórtice aniquilador em que se tornou a educação. Os alunos, a sua instrução e ensino, revelam-se a premissa menos importante no coração da luta que opõe o Ministério da Educação e os professores. Podem esforçar-se ou, ao invés, baldar-se, que passam na mesma. As reprovações foram chumbadas, subjugadas ao valor maior das estatísticas.
Sejamos justos: a avaliação dos professores é absolutamente necessária. Como aluno, investigador e professor fui, sou e serei avaliado – sem temores de inépcia própria ou farsas de “drama queen”. Acredito sinceramente que a maioria dos professores deseja uma avaliação. A que é imposta pelo Ministério? Não. E não é preciso aprofundar o tema, basta lembrar que um dos critérios da avaliação proposta é o insucesso escolar, um factor que não depende somente do desempenho dos professores. Uma avaliação assim é arbitrária e inconsequente.
Entretanto, as generalizações deambulam alegremente pelas bocas do país. Maria de Lurdes Rodrigues é petulante e insensível. Os professores são incompetentes e não querem ter muito trabalho. Os alunos são preguiçosos e mal-educados. Os sindicatos são como cães que dormem em cima do feno: não o comem, nem o deixam comer. Parece-nos que todos têm a razão, ao mesmo tempo que a não têm. Lembremo-nos, porém, que o mundo não é a preto e branco.
(Ontem, 19/11, no Jornal de Notícias)
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