Passeio Público
(Arroz amargo)
A História parece já não dar lições a ninguém. O passado é, cada vez mais, um país distante, uma sombra indefinida e mutilada pela indolência do esquecimento. Talvez o olvido dos ciclos pretéritos explique a surpresa e histeria dos media relativamente à anunciada crise alimentar global.
Ao longo da história, a fome foi um dos demónios íntimos de vastas faixas populacionais do mundo; na Europa, na Ásia ou em África a carestia, mais do que um episódio insólito, era um fenómeno regular e comum. Quase congénito.
Na Europa do séc. XIV, na China dos anos 1958-61 (provavelmente a crise de fome mais lancinante e dramática de sempre) ou na Etiópia na década de 80 do século passado, por exemplo, a penúria alimentar catalisou guerras, assassínios e toda a espécie de iniquidades. Infelizmente, a maior parte das vezes é assim: a fome faz-se valer mais que a dignidade.
A crise alimentar assume matizes intensas (os preços dos cereais, sobretudo, aumentaram drasticamente) mas é, ainda, muito cedo para antecipar as proporções que o fenómeno vai tomar. No entanto, qualquer que seja a amplitude do colapso das estruturas de produção e distribuição de alimentos, é inequívoco que os países mais afectados não serão os países ricos do Ocidente, mas sim os países em vias de desenvolvimento.
Em Portugal, o preço dos alimentos no consumidor tem aumentado de forma proibitiva. A produção alimentar portuguesa, insuficiente para suprir as próprias necessidades, vulnerabiliza o país face à oscilação mundial dos preços dos alimentos.
A produção do arroz no Baixo Mondego configura um exemplo paradigmático de como a auto-sustentação foi negligenciada pelos sucessivos governos do país. O arroz persiste como a cultura agrícola dominante na fértil região que se espraia entre Coimbra e Figueira da Foz. No entanto, a área de cultivo diminuiu drasticamente desde a década de 1970. O aumento iterado do preço dos combustíveis e dos fertilizantes e o “relaxamento” (para não dizer outra coisa) dos investimentos nos aproveitamentos hidroagrícolas são factores de pressão veemente sobre os produtores, que se sentem coagidos a abandonar a produção.
O incremento continuado do preço do arroz, em concomitância com a dependência do país face à produção externa, enfatiza as lacunas e falhas das políticas agrícolas seguidas até agora. Numa mesa despojada, os erros cometidos hão-de devorar-nos com aprumo de gourmet.
(Ontem, 04/06, no Jornal de Notícias)
A História parece já não dar lições a ninguém. O passado é, cada vez mais, um país distante, uma sombra indefinida e mutilada pela indolência do esquecimento. Talvez o olvido dos ciclos pretéritos explique a surpresa e histeria dos media relativamente à anunciada crise alimentar global.
Ao longo da história, a fome foi um dos demónios íntimos de vastas faixas populacionais do mundo; na Europa, na Ásia ou em África a carestia, mais do que um episódio insólito, era um fenómeno regular e comum. Quase congénito.
Na Europa do séc. XIV, na China dos anos 1958-61 (provavelmente a crise de fome mais lancinante e dramática de sempre) ou na Etiópia na década de 80 do século passado, por exemplo, a penúria alimentar catalisou guerras, assassínios e toda a espécie de iniquidades. Infelizmente, a maior parte das vezes é assim: a fome faz-se valer mais que a dignidade.
A crise alimentar assume matizes intensas (os preços dos cereais, sobretudo, aumentaram drasticamente) mas é, ainda, muito cedo para antecipar as proporções que o fenómeno vai tomar. No entanto, qualquer que seja a amplitude do colapso das estruturas de produção e distribuição de alimentos, é inequívoco que os países mais afectados não serão os países ricos do Ocidente, mas sim os países em vias de desenvolvimento.
Em Portugal, o preço dos alimentos no consumidor tem aumentado de forma proibitiva. A produção alimentar portuguesa, insuficiente para suprir as próprias necessidades, vulnerabiliza o país face à oscilação mundial dos preços dos alimentos.
A produção do arroz no Baixo Mondego configura um exemplo paradigmático de como a auto-sustentação foi negligenciada pelos sucessivos governos do país. O arroz persiste como a cultura agrícola dominante na fértil região que se espraia entre Coimbra e Figueira da Foz. No entanto, a área de cultivo diminuiu drasticamente desde a década de 1970. O aumento iterado do preço dos combustíveis e dos fertilizantes e o “relaxamento” (para não dizer outra coisa) dos investimentos nos aproveitamentos hidroagrícolas são factores de pressão veemente sobre os produtores, que se sentem coagidos a abandonar a produção.
O incremento continuado do preço do arroz, em concomitância com a dependência do país face à produção externa, enfatiza as lacunas e falhas das políticas agrícolas seguidas até agora. Numa mesa despojada, os erros cometidos hão-de devorar-nos com aprumo de gourmet.
(Ontem, 04/06, no Jornal de Notícias)
Etiquetas: jornais
<< Home