Passeio Público
O regresso ao passado é uma piada impossível. Em consciência, ninguém presume que, trinta e quatro anos após o 25 de Abril de 1974, o exercício da disciplina sobre os cidadãos retorne a um estado de ininterrupta e minuciosa vigilância que caracterizava a política de coerção do Estado Novo.
No entanto, os sistemas de videovigilância que vêm sendo instalados em diversos pontos do país trazem de volta o olhar hierárquico do estado e das polícias sobre o indivíduo e configuram algumas preocupações sobre o modo como a ossatura do poder age pelo efeito de uma visibilidade geral, pouco apegada às liberdades privadas.
A proposta para a instalação de um sistema de videovigilância nas ruas de Coimbra, elaborada pelo Gabinete para o Centro Histórico (GCH) da autarquia, foi aceite sem grandes reparos (só vereador Gouveia Monteiro, do PCP, votou contra) em reunião do executivo camarário. O projecto prevê a instalação de 17 câmaras de vídeo, que vão funcionar somente durante a noite, em todas as entradas da Baixa. Desse modo, toda a zona comercial passa a estar sob vigia.
Este esquema de vigilância adensa em mim algum receio. Relembro inevitavelmente o «Panóptico» de Bentham, o dispositivo arquitectónico que configurava o aparelho disciplinar perfeito, com a capacidade de tudo ver em permanência. A «ciência pouco confessável das vigilâncias», avisa Michel Foucault (a quem se deve o título deste texto), coloca os indivíduos sob observação permanente, compromete-os em toda uma quantidade de ficheiros que os captam e fixam.
Não obstante, algum consolo: as câmaras não captam som e serão colocadas de forma a «não entrar demasiado (sic) na privacidade das pessoas», como explica Sidónio Simões, o director do GCH. E poderão «criar a ideia de segurança nas pessoas». Cria-se a «ideia de segurança» ou criam-se condições de segurança, de facto?
Os problemas de insegurança da Baixa de Coimbra, uma zona enjeitada da cidade, são bem conhecidos. A Baixa é um local inseguro e desassossegado. Os assaltos afrontam constantemente a quietude desprotegida das ruas escuras e estreitas. A videovigilância enforma, para os fautores do programa de instalação das câmaras de filmar, a criação de condições de segurança, através da prevenção dos ilícitos criminais. Creio na bondade deste argumento. Todavia, não julgo que um sistema de videovigilância seja a panaceia que desafie decisivamente os problemas de insegurança daquela área deprimida, quase vazia de gente, de Coimbra.
Para isso acontecer, outras medidas terão que ser ideadas e concretizadas, mais convincentes e inabaláveis a longo prazo. A redenção de um espaço como a Baixa de Coimbra acha-se necessariamente na fixação de habitantes (como, aliás, preconiza Sidónio Simões) e na atracção do investimento privado: bares, lojas, restaurantes e hotéis. Tudo o resto são meros paliativos que impedem, por algum tempo, a ruína de uma zona inteira da cidade.
Ontem, 02/04, no Jornal de Notícias
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