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Ontem, no Jornal de Notícias
[O resgate do feminino]
[O resgate do feminino]
No decorrer da Guerra de Tróia, Aquiles foi recompensado com Briseida, de "lindo rosto", por Agamémnon, comandante dos Aqueus. Mais tarde, Briseida foi tomada de volta por Agamémnon, evento que despertou a ira de Aquiles ainda na fase crepuscular da Ilíada de Homero. Um vaso grego mostra Agamémnon a prender Briseida pelo pulso, perpetuando um gesto conotado simbolicamente com a dominação masculina sobre a mulher. A história de Briseida será hoje apenas um eco esquecido do passado? Infelizmente não.
Sendo um primata inovador, o Homo sapiens engendrou uma pletora de maneiras de fiscalizar e policiar as mulheres, que incluem, entre outras, o enclausuramento, a doutrinação, a vigilância, o boato, as regras que regulam as heranças e o controlo dos recursos por famílias patrilineares. Os modos seculares de opressão do feminino medram em diversas regiões do mundo. Em Portugal, embora a igualdade de género se plasme na lei, algumas práticas discriminatórias vão resistindo, sustentadas de forma coriácea por quem mais aproveita com a manutenção do status quo: os homens.
Em 2006, a Associação de Apoio à Vítima assinalou um total de 22 casos de homicídio ou tentativa de homicídio contra mulheres. Os casos de violência contra as mulheres são inumeráveis e muitos são simplesmente grotescos e inenarráveis. Os dados do Eurostat de Abril de 2007 reafirmam a constância da maior taxa de desemprego das mulheres relativamente aos homens. Em casa são elas, ainda, as solitárias gatas-borralheiras: dedicam três vezes mais tempo às tarefas domésticas que os homens. A balança da igualdade dos géneros não está, em definitivo, equilibrada.
Louva-se a abertura em Coimbra, precisamente no Ano Europeu da Igualdade para Todos, do mestrado em Estudos Feministas, dirigido por Maria Irene Ramalho e Adriana Bebiano, professoras na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) e investigadoras no Centro de Estudos Sociais. Precisamente 51 anos depois de Maria Helena da Rocha Pereira, também na FLUC, se tornar na primeira mulher doutorada numa universidade portuguesa, este é o primeiro mestrado em Portugal que, inflectindo uma omissão tradicional sobre contribuição cultural e política das mulheres, adopta a designação de Estudos Feministas.
Este mestrado parece-me, antes de tudo, um símbolo e uma promessa de transformação política e social. O seu propósito é claro: estabelecer definitivamente um compromisso académico com a luta pela plena cidadania das mulheres. Eis, portanto, uma forma capaz de pensar e desconstruir a marginalização histórica do universo feminino, de tornar perceptível uma invisibilidade forçada de séculos.
Maria Filomena Mónica escreveu um dia que as mulheres portuguesas são parvas. Permitam-me discordar os homens, aqueles que se confortaram e confortam num regime de opressão silenciosa do feminino, não só são os verdadeiros parvos da história, como não sabem o que perdem. Porque não valorizam as mulheres, porque não sabem dar o colo aos filhos, porque não gostam de limpar o pó, porque não trocam receitas. Nós, homens, somos mesmo parvos.
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