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2.7.07

Agradecimento público

Um dia caí num poço de areia. Não havia nada dentro do poço, só escuridão e areia - como, aliás, seria de esperar. Creio, sem todavia ter qualquer certeza, que sobrevivi. Pelo menos ainda consigo contar a história e isso deve querer dizer que estou vivo. Ou melhor, nem sequer consigo contar a história completa mas partes dela, fragmentadas e pouco vívidas. O que é certo é que aqui estou, a tentar ir mais além destas palavras dúbias. Estive dois dias no poço. Ou menos. Ou mais, nunca poderei dizê-lo com certeza do que digo. Foram dias, foram anos, foi a vida num só dia: foi muito tempo. Sei-o porque deu tempo para ter sede e fome. Fome e sede. Vice-versa. Vieram a mim bichos diversos e peludos [aliás, repugnantes]. Comi alguns, apesar disso. A fome faz-se valer mais que a dignidade. Por vezes gritava. Um hei longo e chorado que morria antes de ver o sol. O resto do tempo pensei nos meus botões [de punho, esquecidos na mesinha de cabeceira]. De repente, um braço desconhecido, inesperado e ansiado, buscou o meu próprio braço e tragou-me para a superfície. O braço que me salvou. Grande, magnânimo, forte. Não reconhecido.

Agradeci aos que duvidaram da continuidade da minha vida. Aos que me deram como escravo de algum beduíno. Aos que me viram nas cidades mais estranhas e nas aldeias mais familiares. Aos que choraram. Aos que rezaram e foram a Fátima a pé [com uma vela do meu tamanho]. Aos que organizaram a quermesse e falaram à TVI. Aos que nada fizeram. Ao braço agradeço agora.

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