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4.7.05

Antropologia e Racismo: contra os Albertos Joões deste mundo

Nos últimos anos assistimos ao desenvolvimento de uma pletora de estudos genéticos que culminaram, por parte de quase todos os biólogos, na rejeição do conceito de raça na espécie humana. Porém, e contra as expectativas da Antropologia, o ethnos continua a mover correntes e a clivagem entre o “nós” e os “outros” tornou-se cada vez mais perspícua. De facto, o repúdio dos grupos racizados não se faz coetaneamente em nome de uma postulada desigualdade biológica, mas sim em nome da dissemelhança cultural, encarada como produtora de incomensurabilidades dos sistemas culturais, em que os membros de culturas diferentes vivem em mundos morais distintos. Este neo-racismo, ou “racismo cultural” incorpora uma lógica diferencialista que acentua mais as especificidades culturais dos grupos discriminados que propriamente as diferenças de ordem biológica ou genética (falamos em termos teóricos pois o racismo “prático” continua entranhado de elementos de inferiorização biológica). A ideologia do neo-racismo não postula mais a superioridade ou inferioridade relativa dos grupos humanos, antes advoga as irredutíveis discrepâncias culturais e a incompatibilidade de culturas.
Ao longo da sua história a Antropologia vem ocupando uma centralidade científica na questão do racismo. Num primeiro momento aparece adstrita ao conceito de raça, à cientifização do racismo e à dominação colonial (vejam-se as excelentes postas sobre o assunto no Companhia de Moçambique) e, no período pós-colonial, torna-se co-responsável pelo desenvolvimento de um relativismo cultural de natureza ortodoxa que se vê actualmente instrumentalizado pelas correntes neo-racistas europeias. De acordo com Dan Sperber (1992. O saber dos Antropólogos. Lisboa: Ed. 70) o relativismo abarca duas dimensões: o “relativismo moral” – em que não há valores morais comuns a toda a humanidade – e o “relativismo cognitivo – em que não existe uma realidade comum. Em consequência, as ideologias neo-racistas instrumentalizam o conceito na defesa de um diferencialismo absoluto. O etnocentrismo, assim “naturalizado”, passa a ser uma atitude que possibilita a conservação da diversidade cultural.
Felizmente a Antropologia tem vindo a afirmar um desconforto científico relativamente aos obsoletos conceitos de homogeneização cultural, que lhe permitiu mostrar que nenhum traço cultural é recebido passivamente e que as importações resultam sempre em sincretismos e reinterpretações. A “crioulização” cultural não conduz à morte das culturas mas sim à sua reinvenção.

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