De filhos e filhas
O fim de tarde derramava-se já no outeiro pejado de casario quando se ouviu o choro primeiro de um varão incipiente e rosado, pesando pouco mais de três quilos – calculados depois de tomar a refeição primordial no úbere fecundo da desgastada mãe. Na rua, as vizinhas que não estiveram no quartinho ajudando a desgraçada mulher a deitar ao mundo mais um pobre de Cristo, procuravam ainda o pai, o Fernando, para o felicitarem por mais uma das suas avarias paternais. Quem o encontrou primeiro, um negrume de óleo cobrindo-lhe o tronco desnudo, foi a Gracinha do Lopes: “Já lhe ouvi o choro, homem. Deve ser cá um valente.” Ele, ensimesmado, apontando para o motor da Famel: “Então, não? Abri-o, limpei-o de alto a baixo que só faltou lambê-lo e meti-lhe uma vela e um condensador novos. Está a roncar que parece o porco da Ti Alice quando lhe chegam fêmea”. Pegou na motorizada, a única filha que lhe interessava, e cavalgou-a para longe.
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