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23.11.07

Passeio Público

Quarta-feira, 21/11, no Jornal de Notícias
Coimbra de passado precioso e famigerado. A História submeteu cada pedra da cidade aos seus indeléveis estigmas. Em Coimbra, sente-se o seu peso, uma poeira densa de significado que assinala as linhas proféticas do que pode vir a ser o futuro. Eu não tenho dúvidas disso. O improvável leitor, com toda a certeza, também não. O pragmatismo inato - genético - do homem comum revela-lhe, em passos lentos, a importância fundacional e essencial do que é ter um passado para além da própria e escassa vivência.
Não sei se o poder corrompe, mas certamente que transforma quem nele toca e dele usufrui. Os autarcas de Coimbra, por exemplo, esquecem demasiadas vezes a importância basilar da história da cidade. A comoção do poder parece estimular a deslembrança do que foi, do que aconteceu. Um véu esgarçado interpõe-se no olhar dos sucessivos autarcas que tomam em mãos o destino e o porvir da cidade, como se a rasura do passado fosse uma condição indispensável ao seu progresso.
Esta falta de memória estrutural dos autarcas de Coimbra derrama sobre a cidade a maldição da célebre elocução de Marx segundo a qual a História, se se repete duas vezes, a primeira é como tragédia e a segunda como comédia. Nenhuma pessoa de bom senso pode esquecer a obliteração, o aniquilamento e a reestruturação promovidos pelo Estado Novo de toda uma porção de Coimbra, a Alta, durante o século passado. Não foi há muito tempo. Quem não se recorda pode ver as fotografias que convocam a cidade desaparecida.
A tragédia pode repetir-se agora (de forma nada cómica, convenhamos) a passagem do metropolitano ligeiro de superfície, celebrada utopia de papel dos regentes da cidade, na Baixa, acarreta a destruição de uma parte substancial do núcleo medieval da cidade, entre as ruas Direita e da Sofia. É certo que os prédios (aliás, toda a zona) estão degradados e esvaziados de vida. É certo que o metropolitano ligeiro de superfície tem de encontrar um caminho que una o rio à Universidade. Mas fará algum sentido a destruição leviana de testemunhos expressivos do passado de uma cidade? De acordo com Filipe Mário Lopes, presidente da Associação Ofícios do Património e da Reabilitação Urbana (OPRURB), a recuperação de edifícios bastante degradados é exequível e, indubitavelmente, a reabilitação é bem menos onerosa do que a construção nova. Recordo que num texto anterior ("Jornal de Notícias", 10/10/2007) aludi à desertificação da Baixa de Coimbra e à deterioração das condições de segurança que um esvaziamento de gente necessariamente implica. Assim, por que não aproveita a edilidade para rever a trajectória do metro (como sugere uma petição entregue na Câmara Municipal pela OPRURB) e para reabilitar aqueles prédios, promovendo em concomitância a fixação de jovens numa zona actualmente tão deprimente?
Aprender com os erros cometidos. Não esquecer. Parece fácil. Pode ser fácil basta resguardar os vestígios pretéritos onde o espírito da cidade foi convocado e através de um simples gesto de protecção preparar o seu futuro.

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