A pescaria
O sol não se atrevera ainda a mostrar a sua face madrugadora e o galo dormia enroscado na pedrês favorita do harém quando o Fernando acordou, levemente inebriado pelo cheiro a álcool que adocicava a atmosfera da enxerga. Depois de comido com urgência o frugal viático, não mais que pão seco e metade de uma sardinha que restara da ceia, empurrados por um copo de palhete; o ainda bamboleante rapaz vestiu-se e arrumou na motorizada a telescópica Shakespeare de 6 metros, a ervilhaca que ia servir de engodo, a caixa de material e um saquinho onde, vivazes e nojentas, se remexiam no meio de serradura as larvas de mosca da fruta, mais conhecidas pelos pescadores por asticô. Já na margem arborizada do pachorrento Mondego, acomodou-se e à cana da melhor maneira que soube e iniciou o que prometia ser pescaria à antiga. Depois de uma manhã transcorrida no tira e põe da linha, atento à corrente da água e ao vento e não menos ao passeio aquático da pequena bóia de cortiça, as expectativas não poderiam ter sido menos defraudadas – como sempre não ia levar um único barbo, ruivaca ou enguia para casa. Ao meio-dia decidiu voltar a casa e ao passar na ponte da vala, a motoreta a ronronar como um gato no cio de Janeiro, estacou um pouco, à conversa com o Pupazinho, este em passo lento para o regular passeio campestre. “Apanhaste alguma coisa?”, perguntou o Pupa, a boina espanhola a cobrir a calva luzidia de suor. “Uma boga”, retorquiu o Fernando. “Pois, pois. Então mostra-ma, se faz favor.”, açulou o outro, zombeteiro. “Deitei-a ao rio. Era tão grande que não cabia na frigideira”, e abalou de rompante, arrojando metade da poeira da estrada para o corpo afunilado do passeante.
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