Passeio Público
Ontem, no Jornal de Notícias
O Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses (AFMP) não é leitura benquista para acrescentar algum deleite aos alongados, cálidos dias de Julho. Não para mim, diga-se. Contudo, e apesar de não esperar dele grande entretenimento, li com ponderação e reparo o AFMP referente a 2005. Se tomarmos como certa - e eu tomo, malgré tout - a responsabilidade dos órgãos executivos municipais de bem gerir os dinheiros públicos e, subsequentemente, em prestar contas a quem de direito, com os eleitores na vanguarda da linha de fiscalização, então a leitura deste Anuário torna-se um imperativo moral de qualquer cidadão.
O meu julgamento sobre este AFMP foi selectivo. Obviamente, demorei a leitura sobre as contas referentes ao município de Coimbra. Os dados que refiro são simples e não sujeitos a qualquer tipo de parcialidade hermenêutica e interpretativa. São, indubitavelmente, sombrios e inquietantes e mostram que a situação financeira global da Câmara de Coimbra se distende sobre um chão de debilidade e fragilidade.
Coimbra apresenta uma relação francamente negativa entre as despesas comprometidas e as receitas liquidadas. É um saldo corrente negativo superior a 26 milhões de euros, que assenta confortavelmente o município no panteão dos maiores dissipadores. A este pendor desregrado acrescente-se a incapacidade de suportar o pagamento das dívidas correntias. De facto, a liquidez é inferior a zero (-17.567.656,00 euros), o que se traduz na incapacidade do executivo em liquidar as dívidas a terceiros no curto prazo (as chamadas "despesas correntes").
Declinando o olhar sobre a condição económica a médio e longo prazo da autarquia conimbricense discerne-se apenas um véu pardacento do porvir o endividamento bancário ascende a pouco menos de 40 milhões de euros (38.586.942,00 euros), o que inviabiliza, ou pelo menos limita seriamente, a concretização efectiva de quaisquer desígnios ou projectos de futuro que afectem uma elevada dotação orçamental. Finalmente, o passivo integral da municipalidade sobreleva os 75 milhões de euros.
O horizonte económico desta Câmara enleia-se nas sombras da desorientação e incerteza. Nesta conjuntura, o Conservatório de Música, o Centro de Convenções ou a Casa da Escrita, promessas do actual executivo camarário, definham ainda enquanto esboços, colapsam como protótipos de papel. Os números são inquietantes e desafiadores. Percebe-se a inquietação, mas onde está o desafio? O repto passa pela consolidação financeira racionalização dos custos, gestão eficaz de pessoal, captação de investimentos, aposta sustentada na cultura e em turismo de qualidade. Ao executivo camarário resta, portanto, recorrer à ascese - às práticas caracterizadas pela austeridade - e a algum domínio persuasivo que porventura tenham sobre o tecido empresarial.
Quanto a nós, resta-nos evocar estes dados, lendo-os. Rememorá-los e difundi-los, resgatá-los do olvido. Na realidade, não é invulgar que as verdades claras e inequívocas acabem por ser esquecidas.
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