Elogio da vida - por um caixote de lixo
São selectivos - os almeidas - mas nem por isso deixam para trás quem lhes diz algo. Por vezes acredito que me vão deixar intocado, na beira da estrada, coberto pela chuva de lágrimas que o céu carregado dispensa, ousando fitar os cães que murmuram palavras incompreensíveis, enfrentando as mãos descuidadas dos passantes. Mas isso nunca acontece, se eles aparecem tocam-me sempre com as suas luvas gastas, dessapossam-me da miríade de objectos com que me preenchem a todas as horas do do dia. Nunca fico com pena de perder o que quer que seja. As coisas que me pertencem por breves horas vão sempre para um lugar melhor, para um Timbuktu do que é afirmado como lixo. Pelo menos é o que se diz por aí, em folhetos que por vezes me vêm parar ao estômago ou que me colam na fronte. Gosto dos dias. Gosto de sentir o vento e das folhas que esvoaçam na humidade das noites. Do riso de quem se vê livre de algo com peso a mais. Gosto da vida que me destinaram: o depósito geral do que resta no final de cada refeição.
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