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17.12.03

Os mortos-vivos, deuses e bombas

O Nuno Ferreira, do Aba de Heisenberg, discorre proficuamente sobre as “bombas realmente inteligentes”, mortos-vivos que incorporam o poder dos deuses em seus corpos cobertos de explosivos e, com uma eficácia inusual noutro tipo de armas, “conseguem levar o explosivo precisamente até ao ponto de impacto desejado, de uma forma invisível, imprevisível até aos últimos segundos”.

Para explicar o apego dos indivíduos às comunidades imaginadas, de que nos fala Ruth Benedict, sejam elas a pátria, a religião, o clube de futebol ou a etnia, temos que revivescer a questão: porque é que as pessoas estão dispostas a morrer por elas? Neste caso específico, perguntamo-nos porque é que as pessoas estão dispostas a fazer-se explodir em nome de Deus, de Allah.

Inolvidável é o facto que as comunidades imaginadas inspiram amor e, não poucas vezes, amor auto-sacrificial. Como o ideário adstrito à concepção das comunidades imaginadas está eivado de elementos que “naturalizam” a ligação indivíduo-grupo, esta é experienciada como algo intrínseco e não escolhido. Porque esses vínculos não são sentidos como escolha, revestem-se, em larga medida, de um halo de amor desinteressado. Desse modo, a ideia de sacrifício último aparece enquanto ideia de pureza através da fatalidade. Morrer pela fé deriva a sua grandeza do facto de ser um acto sentido como fundamentalmente puro e que é um veículo de salvação e recompensa no paraíso. Se a vida e o corpo são exaltados como valores supremos, a morte é aceite naturalmente como meio de obter o sagrado.