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12.2.05

O espelho

Quando olho para mim não me percebo. As olheiras afundadas na magreza ossuosa da face, as rugas balbuciantes na testa cada vez mais espaçosa, as incertezas maiores do olhar cansado delatam a irrupção compulsiva do Outono na minha vida. Os trapos moços com que me cubro, os cremes com que desbarato o precário estipêndio mensal, as horas alongadas na penumbra mesmerizam a rasura do tempo, por breves momentos, sabendo a peleja perdida de antemão mas confiando na sanha guerreira do corte pós-moderno, do retinol A e de um provérbio que de noite torna todos os gatos pardos. Olho-me e não me percebo. O Outono chegou, é já uma certeza firmada no meu corpo, mais tarde ou mais cedo começará a chover. Hei-de comprar mais um guarda-chuva.